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segunda-feira, maio 26, 2008

Parto respeitado

Entrevista com Luísa Condeço
Presidente da Associação Doulas de Portugal

O que é um parto respeitado?
Um parto respeitado é um acontecimento onde se devolve o protagonismo à mulher e às suas escolhas informadas e conscientes, onde os procedimentos médicos utilizados são usados por necessidade médica e não por rotina ou ritual médico/social.
Um parto respeitado inclui as escolhas da mãe que promovem a sua auto-estima, a segurança e o conforto de todos os membros da família.
Onde a informação é fiável, ou seja, baseada em evidências científicas, e onde se entende o parto como um acontecimento social, psicológico mas acima de tudo, sexual na vida daquela mulher. Onde o parto é um acontecimento único e especial na vida de cada mulher, única e especial também.


Há partos respeitados nos hospitais portugueses?
Posso dizer que por vezes ouvimos histórias e relatos de partos humanizados, alguns deles, vindos do H. S. João do Porto e do H. Garcia da Orta, mas em geral todos os outros relatos contam-nos de induções sem necessidade médica, infusão de soro, tricotomia, amniotomias e episiotomia sem prescrição médica.
Mulheres ligadas ao CTG contínuo, deitadas grande parte do trabalho de parto, que têm os seus filhos deitadas de costas, sujeitas a puxos direccionados, afastadas dos seus bebés, bebés alimentados artificialmente sem igual necessidade médica, é o dia-a-dia nos Hospitais portugueses.


Permitir à mulher fazer escolhas informadas deve fazer parte do esforço de humanização de que tanto de fala nos serviços de saúde?
Parte daí, sim, mas não só. Há todo um processo longo que diz respeito aos serviços de saúde e seus profissionais.
A maior parte das mulheres informa-se com o seu médico, que muitas vezes não está ao corrente das últimas evidências ou que por vezes, cada vez menos comuns, marca o seu parto tendo em conta a sua vida social.
O esforço de humanização necessita de ser concentrado, de partir de um centro e espalhar-se, contagiar todos neste processo, desde as doulas, ainda muito poucas neste país, às enfermeiras carregadas de trabalho e mal pagas, aos médicos, muitas vezes fechados nas suas conchas receando processos, e às mulheres e suas famílias que se desresponsabilizam do maior e mais intenso momento das suas vidas.
Penso que as doulas podem ter um papel muito importante, pois faz parte da sua formação conhecerem as orientações da Organização Mundial de Saúde e as evidências científicas em relação à gravidez e ao parto e promovem assim escolhas mais conscientes.
É um longo e árduo processo mas vivemos numa época absolutamente extraordinária, fazemos todos parte de um momento histórico de mudança.
Nem sempre é fácil, mas somos nós que temos que a fazer avançar, cada um de nós conta neste momento histórico neste país.

Por que razão se perpetuam práticas e intervenções médicas que, está cientificamente provado, são prejudiciais para a saúde da mulher e do bebé?
Esta pergunta é delicada. Muitas vezes são bons profissionais de saúde que aprenderam com os seus professores ou sempre assim fizeram.
Muitas vezes aceitamos o qeu aprendemos na faculdade, pela boca dos outros, seja de que forma for, apenas porque questionarmos-nos dá trabalho, incomoda os outros e põe-nos numa situação delicada.
Não creio que os nossos profissionais façam episiotomias de rotina porque lhes diverte cortar o períneo às mulheres.
Não acredito que a tricotomia seja utilizada indiscriminadamente em muitas mulheres por uma questão de estética.
Acredito sim que em boa fé isso é feito porque se aprendeu que assim era.
E não se questionou. Nem ao professor, nem ao mestre, nem se discutiu alguma vez a sua indicação.
Os cursos de enfermagem e de medicina precisam de uma grande viragem, com cadeiras dedicadas à humanização do nascimento e de outras áreas da saúde, e observação profunda aos erros que cometemos até agora.
Deveríamos incitar os nossos profissionais de saúde a questionarem as suas práticas e verificarem conscientemente se estas são baseadas em crenças ou em medicina baseada em evidências científicas.


Concorda com a criação de alternativas, no âmbito do sisterma nacional de saúde, ao nascimento hospitalar (casas de parto, nascimento no domicílio...)?
Concordo em absoluto que se criem alternativas para as mulheres que assim o desejem.
Mas concordo ainda mais com a mudança de um sistema que, sendo utilizado por cerca de 99% das mulheres portuguesas, precisa de ajustes, ajustes esses que passam por uma maior dignificação da mulher, do devolver do seu protagonismo, nas suas escolhas informadas e conscientes.
O sistema actual não permite que a grande maioria das portuguesas tenha acesso a procedimentos médicos baseados em evidências científicas, que tenham acesso a escolhas saudáveis para o seu nascimento como mães, o nascimento saudável dos seus filhos e das novas famílias que daí emergem.
Daí concordar que as alternativas são importantes, mas que a humanização nos hospitais portugueses é algo necessário e urgente.

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