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sexta-feira, agosto 15, 2008

Em busca da fertilidade

Mulher infértil revela como conseguiu ultrapassar o problema


Durante seis anos, Susana Portela viu o sonho de ser mãe tornar-se num pesadelo ensombrado pelo estigma da infertilidade. O destino recompensou-a duplamente com o nascimento de duas meninas gémeas. Hoje, sente-se «a pessoa mais realizada do mundo».

Quando, aos 27 anos, Susana Portela e o marido pensaram que era altura de ter um bebé, não imaginavam o caminho que teriam de percorrer para concretizar esse sonho. Sem suspeitar que um dos dois pudesse ter qualquer problema reprodutivo, tentaram, em vão, engravidar, durante um ano.

Face à ausência de resultados, Susana Portela começou a fazer estimulações (medicação para estimular a produção de óvulos e a fecundação), através da ginecologista que a seguia na altura. Mas continuava a não conseguir engravidar. Seguiram-se exames para verificar se existia algum problema até se detectar que uma das suas trompas estava obstruída.

«Tentámos durante mais alguns meses para fazer um novo processo de estimulação, porque, normalmente, depois destes exames é possível haver uma desobstrução e gravidez, mas o resultado foi negativo».

Só após uma laparoscopia, que confirmou o diagnóstico da trompa obstruída, é que Susana foi confrontada com a dura realidade: teria de procurar um tratamento de fertilidade, sem qualquer garantia de sucesso. Desde o momento em que começou a tentar engravidar até então decorreram dois anos.

Em busca da fertilidade

Embora a tão desejada gravidez tardasse em chegar, a possibilidade de recorrer a tratamentos de fertilidade não estava nos seus planos. Esta era, no fundo, a assunção de que o problema era real.

«No início, achamos sempre que está tudo bem. À medida que vamos fazendo exames diagnósticos e se fala em tratamentos de fertilidade, começamos a ter medo, medo de ter de enfrentar, perante tudo e todos, incluindo nós próprias, que não conseguimos ter filhos naturalmente. Custa muito assumir uma coisa desse género».

O problema da infertilidade assumia, naquela altura, contornos mais dramáticos face à inexistência de apoios e comunicação (a API, Associação Portuguesa de Infertilidade só viria a ser constituída mais tarde) . «Era uma frustração a todos os níveis», revela Susana Portela.

O tratamento

Confrontada com listas de espera de dois anos para fazer tratamentos de fertilidade nos hospitais públicos (só para a primeira consulta), Susana Portela procurou, simultaneamente, uma clínica privada. E foi nessa clínica que, após dois longos anos de tratamentos, conseguiu concretizar o seu sonho: engravidar.

«Durante esse tempo, fiz três inseminações artificiais, duas fertilizações in vitro (FIV) e uma transferência de embriões congelados, sempre com resultados negativos, e só à terceira FIV é que consegui, aos 33 anos, o meu positivo e único», recorda.

A resposta dos hospitais públicos foi para Susana Portela uma desilusão. «No hospital de Santa Maria só me chamaram quando já estava grávida das gémeas», critica.

«Na Maternidade Alfredo da Costa, fui chamada passados cerca de seis meses, mas mandaram-me fazer novamente todos os exames de diagnóstico (mesmo depois de já estar confirmado o meu problema), pelo que enquanto eu e o meu marido refazíamos todos os exames, fiquei grávida graças à FIV que fiz numa clínica privada. No hospital de Coimbra, só me chamaram para consulta passado um ano da inscrição», desabafa.

O desafio monetário

Os tratamentos de fertilidade estão habitualmente associados a um forte esforço económico. Susana Portela sentiu-o na pele. «Gasta-se rios de dinheiro», revela. «No privado, gasta-se em tratamentos e medicação, e no Estado gasta-se na medicação, que ainda não é comparticipada na totalidade».

Portanto, durante os dois anos de tratamentos, «todo o orçamento familiar (incluindo subsídio de férias e Natal) era canalizado para fazer mais um tratamento, que custava em média 3000 euros». O esforço valeu a pena, assegura.

«Quantas vezes chorei e tive vontade de desistir após um negativo? Muitas... mas se não fizesse aquela tentativa, mais tarde não ia sentir-me bem comigo própria. Enquanto não me dissessem que era impossível, tinha de tentar tudo».

Adoptar ou não adoptar

A possibilidade de adoptar, nesta fase, não era uma solução apetecível para Susana Portela, que sempre quis ser mãe biológica. «Queria sentir o bebé cá dentro. Quando me sugeriam adoptar, só a pergunta irritava-me. Na altura, não queria adoptar porque acho que se deve adoptar por amor e não por frustração e, na altura, sentia-me frustrada e não queria passar essa frustração para ninguém».

Curiosamente, no ano em que engravidou, estava a dar entrada nos papeis para adopção. «Já me sentia mais conformada e, a certa altura, pensei: tenho tanto amor para dar, vontade de educar, acarinhar e acompanhar o percurso de uma criança, e isso também é ser mãe». Mas a inesperada gravidez de gémeos fê-la inverter novamente os seus planos.

Finalmente... positivo

A confirmação da gravidez depois de tantas tentativas goradas foi uma enorme e maravilhosa surpresa para Susana Portela. «Não estava nada à espera, tinha tantas dores tipo menstruação que pensava que era mais um tratamento falhado».

Conformada com mais um provável negativo e desejosa de voltar à sua vida normal, fez um teste de farmácia (que nunca tinha feito na vida) para não ter de esperar pelo resultado da análise ao sangue, que só era feita 10 a 15 dias após cada tratamento. «Estava ao telefone com uma amiga e não queria acreditar no resultado», revela.

O exame ao sangue viria a confirmar o positivo, mas reservava-lhe ainda uma surpresa. Os valores altíssimos indiciavam tratar-se de uma gravidez de gémeos, que mais tarde viria a confirmar-se ser dizigótica (os chamadas gémeos falsos). A felicidade parecia não caber dentro de si. «Qualquer pessoa em tratamento quer logo ficar grávida e de gémeos. É quase uma recompensa pelo tempo perdido».

A gravidez

Apesar de uma gravidez de gémeos ser naturalmente mais complicada, Susana Portela sempre acreditou que tudo ia correr tudo bem. Contudo, confessa que foi «sair de uma ansiedade (conseguir engravidar) para entrar noutra (levar a gravidez até ao fim)».

E nem mesmo uma enorme hemorragia, às cinco semanas, nem a descoberta de uma placenta prévia (uma complicação que surge em cada 1000 gravidezes, com risco de morte para a mãe e bebé) a impediu de gozar a tão esperada gravidez. «Gostava muito quando elas mexiam, era uma sensação única. Claro que sendo uma gravidez de gémeos, tive tudo a dobrar: vómitos, azias... e tive de ser internada às 32 semanas por precaução, mas mantive sempre a boa-disposição. Fui a primeira grávida que mandou vir pizza ao quarto».

O turbilhão emocional

Susana Portela não esconde o enorme turbilhão emocional que viveu ao longo dos seis anos que tentou engravidar. «Nós tornamo-nos obcecadas. Tudo gira à volta disso. Estamos sempre a falar da mesma coisa. Cheguei a deixar de ir a aniversários dos filhos de amigas, porque não me sentia bem comigo própria e não suportava ver as famílias dos outros a crescer. Sentia-me frustrada».

O incondicional apoio do marido foi determinante, mas, nessa altura, o seu grande porto de abrigo eram os fóruns de infertilidade na internet. «Conheci muitas raparigas que tinham o mesmo problema e todas compreendíamos o que nos ia na alma».

Esta era também uma forma de se automotivar: a forma positiva com que sempre lidou com o problema e que contagiava outros casais na mesma situação era muito bem-vinda, o que reforçava a sua vontade de não desistir.

«Quando engravidei, o fórum bloqueou, recebi milhares de mensagens... é uma esfera que só se consegue entender quando se passa por isso. Senti-me muito apoiada por todos». Por isso, actualmente, é sócia da API e moderadora do fórum de gémeos, no site da API (www.apinfertilidade.org).

Os conselhos de Susana Portela:
  • Procurar informação. «Procure um especialista que lhe explique tecnicamente a possibilidade de vir a engravidar, o porquê, os custos.»
  • Falar abertamente. «Quanto mais abertos formos em relação àquilo por que estamos a passar, mais nos estamos a ajudar e a conseguir lidar com o problema.»
  • Envolver a família. «Este é um problema do casal (e de família também) e tem de ser visto como tal. Se o casal estiver coeso, mais nada importa. Foi assim que eu e o meu marido conseguimos: ter filhos era um desejo dos dois e, embora o problema fosse meu, sempre foi encarado a dois.»
  • Procurar apoio. «Partilhe o seu caso com outras pessoas em situação semelhante. Promove um desenrolar de emoções, de amizades e mais ainda de descoberta de nós próprios, que nos dá mais força para lutar por esse sonho.»

1 comentário:

Caracoleta disse...

Uma historia de determinaçao, coragem e amor com um final muito feliz!
Parabéns!