Os Nossos Amigos

segunda-feira, outubro 08, 2007

Testemunho da Inês Carlos / IMC

O meu nome é Inês, tenho 36 anos e sofro de infertilidade.
Desde 2000 que tento ter um bebé. A minha história é igual a tantas outras, depois de 3 anos casada, eu e o meu marido achamos que era uma boa altura para sermos pais, durante aproximadamente uma ano todos os meses esperamos que tivesse sido esse o mês, mas não era.
Começamos então a caminhada das consultas, 1º na ginecologista que me seguia, que me mandou fazer alguns exames, medir temperaturas e tomar dufine, depois uma médica especialista em infertilidade.
O que é curioso, é que até fazer um ano todos me diziam que eu estava a exagerar, que não tínhamos problema nenhum, que era normal, mas eu sabia que não era normal, pois normal é engravidar se tivemos relações sexuais sem contraceptivos, mas enfim fui esperando e tentando acreditar que não havia nenhum problema, todos tinham uma história para contar que invariavelmente acabava bem, por isso foi calando a minha tristeza e frustração e fui fazendo os tratamentos.
Só que a realidade era outra, depois de algumas análises a minha médica descobriu o problema, disse-me ela, nunca achou importante dizer-me a mim qual era. E eu feita tonta acreditei que se ela sabia, tudo se ia resolver, fiz então várias estimulações (4), medicamentos muito caros, muitas manhãs a fazer as analises, à tarde horas para a eco e pelas 20h, lá vinha a enfermeira dizer qual a dosagem das injecções no dia seguinte. Nunca me senti tão mal, sentia uma tristeza profunda, achava que aquilo não estava a resultar, muitas vezes estava a dar a injecção a mim própria a chorar, actualmente não tenho pena de mim própria, mas na altura tinha, chorava de frustração, de tristeza de raiva e especialmente estava a gritar por socorro, já não aguentava mais, emagreci muito, entrei em depressão, não aguentava a pressão no trabalho e os olhares fulminantes quando dizia que tinha que sair para mais uma consulte, eco, etc.
Os tratamentos ficavam muitos caros, era a consulta 16 cts na altura, as ecos a 1ª do ciclo 12 cts e a 2ª 6 cts, mais as injecções e as seringas, era um desgaste terrível, a todos os níveis, a minha vida sexual mudou radicalmente, hoje tinha que fazer sexo, amanhã não, isto posso tomar, isto não posso, não vou de fim de semana por causa dos tratamentos, qual é o dia do ciclo? Enfim deixei de ser um ser humano para passar a tentar fazer o meu corpo funcionar de forma mecânica.
Desisti, decidi que durante uns tempos ia esquecer os tratamentos e acreditei que ia engravidar. Nunca soube qual era o meu problema, por isso era natural que fosse culpa minha, era esta ansiedade que impedia o meu marido de ser pai e eu de ser mãe, no entanto era um pouco tarde, eu estava doente, a minha relação com o meu marido estava mal, interiormente culpávamo-nos um ao outro, eu queria desistir, ele achava que devíamos tentar mais uma vez. Eu sentia a falta do dinheiro para outras coisas, ele aparentemente não.
Perdi o emprego, mudei de medica, tinha um quisto num dos ovários que tinha que ser retirado, fiz uma laparoscopia, um mês depois de ter ido à 1º consulta, a médica nunca fez comentários sobre os tratamentos da outra médica, eu é que achei muito estranho como é que fazia várias ecos por mês e nunca viram um quisto por cima do ovário direito maior que o próprio ovário, mas enfim eles é que são médicos! Diagnóstico Endometriose. Fiz preparação para 4 FIVs, nenhuma resultou, na primeira o óvulo não foi fertilizado, nas seguintes tive que interromper o tratamento porque os ovários não respondiam à estimulação, desisti mais uma vez, tinha esgotado a minha reserva emocional para estas perdas de “nada” e tinha também esgotado as nossas finanças. A operação foi muito cara 800 cts e cada FIV ficava em 500cts.
Em Agosto de 2005 fiz nova tentativa, ia tentar uma ICSI nos hospitais de Coimbra, mas afinal não posso fazer, os meus valores de FSH são muito elevados, o meu processo não pode ser aceite, os valores revelam que será muito difícil estimularem os meus ovários de forma a produzirem ovulos em nº suficiente.
O meu marido continua a achar que devo repetir a analise até o valor baixar, eu não, não quero voltar a criar expectativas e depois ter que gerir mais uma perda de “nada”, porque é assim que me sinto, embora seja incapaz de gerar um filho todos os meses num cantinho muito secreto de mim engravido, sonho como e quando vou dar a noticia ao marido e a alegria dele, por isso todos os meses sinto que foi mais uma oportunidade de gerar um filho que perdi.
Calo estes sentimentos, engulo e até as minhas lágrimas são secas.
Eu gostava de falar abertamente neste assunto, mas não encontro com quem, ninguém compreende esta dor mensal, esta frustração e raiva. Penso que a minha família prefere não tocar no assunto porque pensa que me magoa falar, mas a verdade, é que me dói mais não falar, por vezes sinto que ninguém dá a importância devida a este problema, por isso é que eu acho muito importante a infertilidade ser considerado um problema de saúde publica, quantos casais baixam a sua produtividade e necessitam de pagamento de baixas por causa das consequências desta doença? O que será necessário fazer para as pessoas deixarem de considerarem egoísmo e teimosia a tentativa dos casais realizarem o sonho de poderem conceber um filho? Até quando esta atitude do governo de abandonar à sua sorte as pessoas com este problema que não podem ser assistidas nos serviços públicos? Quantas pessoas vão enriquecer à custa do desespero das pessoas, quem garante que as clínicas fazem sempre um bom trabalho? Quem protege as pacientes de pessoas sem escrúpulos? Que doença será necessário todas nós padecer para podermos ser tratadas e acompanhadas nos serviços públicos?
São muitas perguntas que eu ao longo de mais de 7 anos nunca encontrei resposta, “coragem” Dizem-me, “podia ser pior” “isso não é nenhum drama”, “quando menos esperares vais conseguir” etc., são frases que me magoam, sinto que aquilo que as pessoas querem ouvir, é está tudo bem, sinto-me lindamente, mas não está nada bem, todos os meses sinto dores muito fortes, de vez em quando lá aparece mais um quisto, a endometriose não pára e as consequências também não. Esquece, pensa em outra coisa, como? Quando estou a fazer algum tratamento como é possível esquecer? Se não estou é impossível pensar que mais um mês se passou e o meu desejo não se concretizou. Preciso de fechar o livro, esquecer este projecto e começar a dedicar-me a outro, mas este não é um projecto só meu, era um projecto a dois, o meu marido não gosta de falar no assunto, mas eu sei que ele ainda não desistiu, eu sei que ele acredita que ainda vai ser pai um dia, por isso não posso fechar o livro, não é um livro só meu.
Praticamente todos os dias vou ao fórum da API, leio as historias das minhas companheiras de luta, fico contente com os sucessos e triste com os insucessos, leio nas entrelinhas os mesmos sentimentos, as mesmas duvidas e as mesmas frustrações, invejo a coragem e a teimosia de algumas, compreendo o baixar de braços de outras, só lamento o não poder fazer nada, e temo que algumas delas saiam muito magoadas desta luta, a nossa capacidade de sonhar e de acreditar vai se perdendo com as desilusões e os baldes de água fria de cada tentativa falhada, mas este é um caminho que cada um tem que percorrer.
O tema adopção já é um cliché, a mim muitos me dizem “mas em vez de andares a gastar dinheiro porque é que não adoptas”? Porque não, é a minha resposta, não está fora de questão mas o meu marido gostava muito de ser pai e eu de ser mãe, de sentir o bebé crescer dentro de mim etc. além disso acho terrível as pessoas em geral acharem que só os casais inférteis é que devem adoptar, porquê? Vai se resolver 2 problemas é? Os abandonados com os inférteis? Não concordo, eu sempre achei que gostaria muito de adoptar uma criança, muito antes de saber se podia ou não gerar filhos. Não está fora de questão mas antes gostava de esgotar as minhas possibilidades de gerar um filhote.
Neste momento voltei à luta e devo fazer nova FIV em Novembro de 2007, estou a ser acompanhada pelo Dr. Cristiano Oliveira.

A luta continua, sempre com muita esperança e nunca deixando de acreditar.

Inês Carlos/IMC

Inês, eu cá vou ficar a torcer muito, mas muito para que a tua história tenha um final muito feliz! Focaste um ponto muito importante. Não podia concordar mais com o que disseste sobre a adopção/infertilidade. Só mesmo quem passa pelo caminho da infertilidade é que sabe e sente como doem certos comentários ditos por vezes sem intenção. A adopção é e tem de ser um acto de amor e não o "remédio" dos inférteis. Uma alternativa? Pois claro que sim! Mas é uma alternativa para qualquer casal. Bem hajas.

3 comentários:

Celine disse...

Gostei muito do testemunho e desejo muita força e coragem!! Beijocas

Olinda Dinis disse...

Quero deixar-te um grande beijinho Ines, é com testemunhos destes que eu fico triste, como é que pode casais que passam por tantos tt, tantos fivs e não conseguem um positivo, venho eu de 2 estimulações, uma laparoscopia, chego á primeira fiv(na MAC) e positivo. Fiquei muito feliz por ter positivo mas, triste pelos casais que fazem tantos fivs e não conseguem....
Beijo grande para ti e muita força!!

Luna disse...

clara mto bem escrito!
inés desejo que consiguas
bjos
Luna